Capítulo 2 - Uma estranha no paraíso

— Coamo, Porto Rico

Dia seguinte

O barulho alto que as grades fazem ao abrir assusta a garota recém acordada, ela dá um leve salto para se pôr de pé no chão de concreto em que acabou dormindo ontem a noite, totalmente em alerta quando um policial barrigudo e de bigode ralo adentra a cela em que ela dividia com mais três mulheres. Ele segura seu braço sem nenhuma cerimônia ou delicadeza e começa a puxá-la para fora da cela.

— Ei, para onde está me levando? — Tzuyu grita, mas o homem nem sequer a encara.

O policial carrega Tzuyu até a recepção da delegacia, onde uma mulher de meia idade está sentada atrás do balcão. Ela estende uma papelada na direção de Tzuyu sem se importar em olhar em seus olhos e a manda assinar, mas Tzuyu nem ao menos tem tempo de ler o conteúdo daquelas folhas quando um furacão de cabelos grisalhos adentra as portas da delegacia. Os olhos aflitos da senhora Chou escaneiam o ambiente com pressa, na procura de sua filha, até que ela encontra a garota perto do balcão. Ela desaba em um choro forte. 

Tzuyu assina rapidamente o que quer que seja aquela papelada apenas para se livrar do olhar enraivecido da recepcionista e depois caminha na direção de sua mãe, elas se abraçam forte até que o som de um pigarro interrompe a interação. Como se já soubesse quem era, a senhora Chou endireita os ombros e limpa as lágrimas antes de se virar para encarar a mulher de terninho feminino preto. Tzuyu franze o cenho, analisando o rosto incomum da desconhecida.

— Quem é você?

— Meu nome é Jihyo, senhorita Chou — a mulher se apresenta com um tom polido e formal. — É um prazer conhecê-la, mesmo que seja nessa situação...

Antes que Tzuyu possa perguntar o que está acontecendo, ou por que aquela mulher sabe o seu sobrenome, ela sente as mãos calejadas de sua mãe tocando em seu rosto com uma delicadeza que apenas a mulher possui. Ela encara o rosto enrugado de sua mãe, os cabelos grisalhos parecendo ainda mais brancos de quando se viram pela última vez, na manhã do dia anterior.

— Meu amor, apenas confie em mim — sua mãe pede em voz baixa. — Jihyo vai lhe explicar tudo em uma hora mais apropriada, mas você precisa ir com ela a partir de agora.

Tzuyu franze o cenho.

— Ir com ela? Eu mal a conheço, mamãe! — Ela fica exasperada. — O que está acontecendo?

A senhora Chou suspira como se estivesse cansada demais para lidar com tudo aquilo naquele momento.

— Carlos colocou sua cabeça a prêmio, minha filha, e agora Porto Rico inteira está atrás de você — conta. — Não posso deixar que morra aqui, dessa forma horrível!

Um silêncio ensurdecedor toma conta da delegacia enquanto Tzuyu assimila as palavras de sua mãe. Em poucas horas ela tinha perdido uma vida inteira. Teria que deixar seu bairro, seus amigos e as vielas em que cresceu. Ela não acordaria cedo para preparar o café da manhã de sua mãe, nem desceria até o campo de futebol com uma bola entre os braços para jogar com Marcel e o resto dos meninos. Nem ao menos veria mais seus amigos.

— Sinto muito por interromper, senhora, mas precisamos ir! — Jihyo diz com sua pose inabalável.

A senhora Chou assente com a cabeça para a mulher e se vira para dar um abraço apertado na filha, depositando um beijo em sua têmpora suada. Ela volta a chorar e então, a ficha de Tzuyu finalmente cai: também não verá mais a própria mãe. Os braços frágeis e fracos da mulher que a colocou no mundo cercam sua cintura com uma proteção sem fim. Tzuyu, pela primeira vez em muito tempo, se permite chorar feito uma criança indefesa.

Quando Jihyo volta a se manifestar, é uma despedida definitiva. Elas se afastam com os olhos brilhando pelas lágrimas derramadas e trocam um olhar significativo. O caminho para fora da delegacia rasga totalmente o coração de Tzuyu em pedaços, ela tenta se manter forte enquanto segura dentro de si a vontade que sente de correr de volta para os braços de sua mãe.

O sol está no pico do céu, deixando claro que é meio-dia ou mais, quando elas deixam as portas da delegacia. Jihyo conduz Tzuyu até um carro preto e elas se sentam juntas na parte traseira, o couro range com o peso de Tzuyu e o motorista a encara pelo retrovisor do carro. É tudo tão estranho que ela apenas fecha os olhos e deseja fielmente acordar de seu cochilo após almoço na macieira perto do campo de futebol, afinal, aquilo tudo só poderia ser um pesadelo horrível que ela estava tendo.


— Búzios, Rio de Janeiro

Depois de mais de três horas de viagem, Tzuyu desistiu de tentar descobrir alguma coisa sobre o que estava acontecendo naquele momento. Jihyo se manteve quieta durante toda a viagem e com a concentração depositada apenas em seu celular.

Tzuyu respira fundo ao sentir o helicóptero tremer ao pousar no heliporto, ela vê dois homens vestidos de preto da cabeça aos pés correndo para abrir as portas da aeronave. Jihyo é a primeira a descer, olhando para os lados para conferir que o lugar está seguro, e Tzuyu vai logo em seguida. Elas caminham juntas até a BMW branca que está estacionada a alguns metros do heliporto e se sentam no banco de couro bege do veículo. Tzuyu está tentando não chorar ao pensar em sua mãe sozinha em Porto Rico e dessa vez parece que Jihyo percebe.

— Está tudo bem? — A voz polida de Jihyo ecoa pelo carro assim que ele começa a se movimentar.

— Onde estamos? — Tzuyu exige saber mais uma vez, mas seus olhos não encontram os de Jihyo porque ela continua olhando através da janela do carro, para a paisagem que passa rapidamente do lado de fora, tentando decifrar aquele enigma sozinha. — Você disse que ia me contar no avião, mas até agora não me contou nada!

— Estamos no Brasil — Jihyo diz sem preocupação.

Tzuyu arregala os olhos, ela estava muito mais longe de casa do que imaginava.

— Brasil? — Ela engole em seco e se vira para olhar a mulher ao seu lado rapidamente. — Onde, especificamente?

— Na região de Búzios, no Rio de Janeiro, senhorita.

— O que estamos fazendo aqui?

Tzuyu não deixa que seus olhos reflitam o medo que sente naquele momento, mas Jihyo é uma mulher esperta e consegue percebê-lo facilmente. Jihyo retira os óculos escuros de seu rosto e encara os olhos da garota durona a sua frente, pronta para lhe dar a conversa digna que ela merece.

— Trabalho para a família de sua tia, sou uma espécie de segurança particular. A senhora Hirai me pediu para buscar e tirar a senhorita o mais rápido possível de Porto Rico. Fui instruída a trazê-la diretamente para a casa da família em Búzios — ela conta. — Agora você sabe tudo o que eu sei!

A mente de Tzuyu trabalha rapidamente para recolher todas as informações novas que recebeu em pouco tempo. Ela está no Brasil, e aparentemente sua mãe sabe disso, a mando de uma tal de senhora Hirai - que ela não faz ideia de quem seja. E ela tem uma tia?

— Posso ter meu celular de volta? Quero ligar para a minha mãe.

Jihyo pondera por alguns instantes, mas no final acaba assentindo com a cabeça. Ela retira um aparelho celular novo de seu bolso e entrega para Tzuyu.

— Esse celular não é meu.

— A partir de agora, ele é sim. É uma linha segura, o traficante que está atrás de você não conseguirá te achar nela e você poderá falar com sua mãe sem problemas!

Jihyo se ajeita no banco e coloca os óculos de volta em seu rosto, e Tzuyu entende que aquele gesto significa o fim da conversa. Ela suspira pesadamente, todo aquele pesadelo não parece ter fim - ao contrário de sua vida simples e despreocupada em Porto Rico.

Poucos minutos depois, o carro estaciona em uma rua larga de paralelepípedo. Tzuyu se permite olhar efetivamente através das janelas do veículo pela primeira vez desde que saiu de Porto Rico, há uma praia de águas cristalinas e areia branca de um lado e um casarão morderno, do outro.

"Seja lá quem for essa tal de Hirai, ela tem muita grana", Tzuyu pensa consigo mesma enquanto acompanha Jihyo para fora do carro. Elas caminham na direção da casa, mas Jihyo para no meio do caminho como se tivesse acabado de ver um fantasma. Tzuyu franze o cenho, se virando para encarar o mesmo ponto fixo que a mulher está olhando. Alguns metros à frente delas se encontra uma garota de vestido branco, salto alto e joias douradas, seu cabelo loiro possui leves ondulações nas pontas e parece brilhar mais do que o sol. Ela parece um anjo, prestes a levar Tzuyu para o céu em suas asas brancas.

— Hum, senhorita Chou, pode me dar licença por alguns minutos? — Jihyo pede com sua voz polida levemente vacilante. — Pode ligar para sua mãe enquanto isso.

— Vai em frente — Tzuyu acerta um tapinha nos ombros largos da mulher e acena com a cabeça. — Não vou sair do lugar!

Jihyo retira os óculos de sol lentamente e se vira para encarar a garota de frente, seus olhos semicerrados e a mandíbula travada. Tzuyu entende perfeitamente, sem uma palavra ser proferida, que não deve tocá-la daquela forma. Ela estende as mãos para cima em um ato de rendição e dá a Jihyo um sorriso amarelo sem graça.

— É bom que esteja aqui quando eu voltar! — Jihyo diz em voz baixa e, sem esperar por uma resposta, deixa a garota para trás.

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