Capítulo 1 - Uma estranha no paraíso
— Coamo, Porto Rico
Em um bairro da periferia de Porto Rico, a jovem Chou Tzuyu caminha por entre as vielas com a leveza que apenas alguém que cresceu naquele lugar possui. Ela faz aquele caminho desde que nasceu, pegando o mesmo trajeto, na mesma hora do dia, para o campo de futebol na entrada do bairro. De baixo de seus braços, a bola de futebol desgastada modela uma imagem conhecida por cada morador dali.
Na quadra de futebol, Tzuyu encontra seus amigos descansando sob a sombra de uma macieira. A franja de Marcel está grudada em sua testa com o calor escaldante do dia. Mesmo depois de tanto tempo, Tzuyu não consegue entender como ele ainda mantém o cabelo comprido daquela forma. Ela cumprimenta seu melhor amigo com um abraço e o resto dos meninos com apertos firmes de mão, o suor do corpo desnudo de Marcel gruda em partes de sua pele e na camisa de malha branca que ela está usando.
— Olha só quem resolveu dar as caras de novo — a grossa do homem faz o corpo de Tzuyu congelar completamente. Ela nem ao menos precisa se virar para saber quem está atrás dela.
O rosto sisudo de Carlos carrega uma expressão maléfica, a cicatriz acima de seu olho parece brilhar na luz do sol da tarde. Ele veste um short preto e, assim como Marcel e os outros meninos, não usa camisa para mostrar seu abdômen sarado a todas as garotas que ficam à espreita no campo de futebol.
Carlos Garcia era um Zé Ninguém até dois anos atrás, quando uma gangue de outra região conseguiu tomar aquele lugar das mãos da polícia local. Agora ele anda por entre as vielas como se fosse um rei e ninguém faz porque, bem, ele pode não ser um monarca, mas tem uma arma na cintura e muita raiva descontrolada para ser liberada.
— La estrella! — Carlos se aproxima tanto que sua respiração atinge o rosto de Tzuyu com força, o cheiro de cigarro fazendo ela franzir o cenho imediatamente. — Eu já não te disse que não quero uma mulher jogando futebol na minha área?
A pose vacilante de Tzuyu some totalmente. Aquela não era a área de Carlos, era a porra da área dela. Tzuyu estufa o peito e, ignorando todo o cheiro horrível de cigarro que irritava seu nariz, aproxima mais seu rosto do de Carlos, a mandíbula dura como pedra. Ela poderia cuspir no chão se não achasse aquilo nojento.
— Quantas vezes eu já te disse que essa não é a sua área?
A raiva toma conta do rosto de Carlos rapidamente e ele explode como uma bomba nuclear. Com um soco forte e certeiro, ele faz a bola que estava debaixo dos braços de Tzuyu sair rolando pelo campo.
Marcel rapidamente se aproxima e se mete entre os dois para tentar apaziguar o clima hostil que se estabeleceu. Ele empurra o peito de Tzuyu e a obriga a dar alguns passos para trás, o que ela faz sem relutar - afinal, ela pode parecer durona por fora, mas por dentro ainda é apenas uma garota de dezessete anos.
— Não precisa disso, cabrón — Marcel diz a Carlos, implorando com os olhos para que ele deixe Tzuyu em paz.
— Fica fora disso, chiquito — Carlos murmura, afinando a voz no final, para Marcel. Ele revira os olhos e empurra os ombros de Marcel, que tropeça em seus próprios pés e cai sobre o chão de terra batida. — Vamos acabar logo com isso, garota! — Ele se aproxima de Tzuyu, apontando o dedo para seu rosto. — Eu e você, um contra um, quem fizer três gols ganha a partida. Quem perder tem que dar o fora!
Tzuyu fica imediatamente tensa. Ela pensa em sua mãe, que luta em dois empregos de meio período para manter a casa delas em uma daquelas vielas. Em Marcel e em todos os seus amigos. Ela tem muito o que perder se não ganhar aquela aposta, mas está tão cansada de ter que viver em seu lugar com medo de um homem que acha que detém o poder de dizer como as pessoas devem viver duas vidas… ela simplesmente se esquece dos riscos.
— Fechado! — Tzuyu diz com sua voz firme e pose de ombros retos.
Carlos ri com escárnio, negando com a cabeça. Jamais entenderia o que se passa na cabeça daquela garota para o desafiar tanto.
— Você se acha melhor do que todo mundo aqui, Estrellita, mas não passa de uma garotinha!
— Engraçado, não foi isso que a sua namorada me disse ontem enquanto gozava na minha cama! — Tzuyu apela para a fragilidade do ego masculino para ferir Carlos como ele sempre tenta fazer consigo.
A questão toda é que: Tzuyu realmente tinha uma história com a namorada de Carlos, porque antes dele aparecer no bairro com uma arma na cintura, Tzuyu e Isabela eram namoradas. Mas Carlos, como um rei autoritário, exigiu que a garota fosse sua ou então ele mataria toda a família dela. Tzuyu não lidou bem com isso na época e vivia correndo por entre as vielas a procura de Isabela, se encontrando às escondidas com a garota em lugares estratégicos.
Mas como tudo que é bom dura pouco, Tzuyu e Isabela foram pegas por um dos capangas de Carlos em uma tarde ensolarada como aquela. E a partir daí, o ódio de Carlos por Tzuyu passou a atingir um nível preocupante. Ele ainda não poderia fazer nada deliberadamente contra a princesa do bairro, ou causaria um motim no lugar, mas pequenos confrontos eram travados todas as vezes em que eles se esbarravam.
Em um piscar de olhos, Carlos está apontando uma arma para a cabeça de Tzuyu, ela engole em seco. Por dentro, cada fibra de seu corpo estremece, mas por fora ela se mantém firme como uma rocha seca. Os olhos de Carlos estão pegando fogo, transportando a loucura que toma conta de sua mente insana. Um único movimento dele e toda aquela guerra entre os dois acabaria, Carlos finalmente conseguiria dar um fim na estrela do futebol do bairro e se tornaria o único a receber a atenção do povo daquela região.
Antes que Carlos possa tomar uma decisão, o som alto das sirenes espanta todo mundo que está na quadra em questão de segundos. Carlos se mantém firme, ainda segurando a arma na cabeça de Tzuyu, enquanto Marcel grita para que ele tenha piedade e desista. Quando a polícia está a poucos metros de distância, mas longe o suficiente para ver o que está acontecendo com clareza, Carlos deixa a arma cair nos pés de Tzuyu e corre o mais rápido que consegue para as vielas.
O medo paralisante que toma conta do corpo de Tzuyu não a deixa reagir e quando ela se dá conta, já possui outra arma apontada em direção. Há um policial à sua frente mandando ela deitar no chão e colocar as mãos na cabeça, e outro surge por trás para deslizar uma algema gelada em seus pulsos.
Tudo acontece rápido demais e Tzuyu nem ao menos entende o porquê de estar sendo conduzida para uma viatura nos primeiros minutos. Ela fica apática, sem reação, apenas seguindo o fluxo dos passos do policial que a conduz. Tzuyu apenas entende o que está acontecendo quando se senta no banco de trás do carro e as vielas de seu bairro ficam vão ficando para trás conforme o veículo anda. Só nesse momento é que ela percebe que está ferrada.
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